Cura é baseada no merecimento


Após subir a escada, o visitante se depara com uma espécie de auditório. São várias cadeiras brancas, de plásticos, arrumadas de forma a receber uma platéia. Mais na frente um móvel que lembra um púlpito. Não à toa. É ali que um rebanho silencia para escutar o Evangelho, antes de se dirigir a uma das sete cabines reservadas ao atendimento espiritual. Estamos na Associação Centro Espírita Bezerra de Menezes, onde milhares de pessoas procuram resolver males do corpo e da alma todos os meses.

A cada notícia de um famoso que procura um tratamento espiritual para um problema físico, a curiosidade acerca desse tipo de procedimento aumenta. O caso mais conhecido é o do ator Reinaldo Gianechini. Acometido por um linfoma, ele anunciou que, além do tratamento convencional, irá receber os cuidados de um médium. Não é o primeiro “notável” a recorrer a esse tipo de expediente. Em 1996, a atleta Ana Mozer fez uma cirurgia espiritual no joelho esquerdo para conseguir jogar as Olimpíadas de Atlanta. Mas apesar dos adeptos ilustres, a “terapia” é cercada de desconfiança e desinformação.

O primeiro ponto controverso é a respeito das cirurgias espirituais realizadas de forma semelhante às cirurgias comuns. Incisão, sangue, retirada de tecidos. Tudo isso sem anestesia e alegadamente sem dor.  Embora ainda seja prática em outros locais do Brasil, a cirurgia “invasiva” tem sido substituída pela simples imposição de mãos. Segundo os espíritas, a existência ou não do corte, sangue ou retirada de tecido é irrelevante. Era simplesmente uma forma de fazer o “paciente” acreditar com mais força na efetividade do processo. A fé do paciente aumentava a capacidade de cura, dizem. Mas, esse método foi reformulado.

No Centro Espírita Bezerra de Menezes, por exemplo, localizado na rua dos Tororós, o atendimento médico-espiritual é realizado sem cortes. E sem prejuízo para o tratamento convencional. “De maneira alguma orientamos qualquer pessoa a desistir do tratamento convencional. Pelo contrário, é uma exigência que a pessoa continue a fazer o tratamento com o médico, seguindo todos as recomendações médicas”, diz Maria das Graças Medeiros, presidente do centro.

O primeiro passo para receber atendimento é ouvir a leitura do Evangelho. Passagens e ensinamentos de Jesus Cristo são lidos para os presentes. Logo após,  os médiuns recebem os “pacientes” nas cabines de atendimento. Segundo Maria das Graças, existe uma equipe espiritual de prontidão. Os espíritos, de acordo com a crença, auxiliam no tratamento, não necessariamente incorporando no médium. “Isso muda de caso para caso, não existe uma regra. Depende do médium e também da pessoa atendida”, revela a presidente.

A direção do Centro Espírita preferiu não detalhar o tipo de procedimento mais requisitado pelos “pacientes”, por uma questão de respeito à privacidade. Mas a procura vai desde problemas familiares até fraturas de braços e pernas. O atendimento é sempre o mesmo, baseado na conversa e na tentativa de “reformular” o comportamento da pessoa em questão. “Não prometemos cura de forma alguma. Mas chamamos a todos a mudarem de vida”, discursa Maria das Graças.

Espíritas reconhecem eficácia

O tratamento médico-espiritual  é reconhecido pelo Espiritismo como “eficaz”, inclusive o da cirurgia espiritual com procedimento invasivo, incisão, etc, embora não faça parte oficialmente da prática espírita. De acordo com o diretor de comunicação da Federação Espírita do Rio Grande do Norte, Nilo Emerenciano, a prática da cirurgia espiritual é algo tradicional. “Sabemos que existe um fundamento e uma efetividade nesse tipo de procedimento, mas não é uma prática oficial e nem faz parte da doutrina espírita em si”, explica Nilo Emerenciano, acrescentando que a mediunidade não é algo exclusivo de quem é espírita.

De acordo com a doutrina, a ocorrência de doenças é fruto do comportamento das pessoas. Um comportamento em desacordo com as “leis divinas” pode gerar doenças tanto nessa vida como em outras, de acordo com o que prega o Espiritismo. Os males adquiridos em uma encarnação passariam para a outra através do “periespírito”, que faz a ligação entre o corpo e o espírito, a alma.  Como uma espécie de “aura”, o periespírito tem a forma do corpo e carrega, recebe, parte das influências negativas - e positivas também – recebidas pelo corpo. Exemplo: a grosso modo, um fumante poderia desenvolver câncer nessa ou em outra vida. Os danos aos pulmões marcariam também o periespírito. 

A “cura”, para além do trabalho do médium, depende do merecimento de cada pessoa. Por isso, nem todos os procedimentos seriam efetivos, ainda segundo a doutrina espírita. Pelo mesmo motivo, nem todos se animam a procurar o tratamento médico-espiritual, até porque o padecimento faria parte da evolução do ser. Nilo dá um exemplo. Segundo o diretor da Federação, Chico Xavier, ícone do movimento espírita, adoeceu e cogitou uma cirurgia espiritual. “Emmanuel, o mentor espiritual de Chico, rechaçou a possibilidade. “Você se acha melhor que os outros? Vá ao médico, ao hospital, como todo mundo”, relembra Nilo. “O próprio Chico Xavier preferiu não fazer o tratamento espiritual. Mas isso vai de cada um”, complementa.

Vale ressaltar que nem todo tratamento médico-espiritual é denominado “cirurgia espiritual”. Há vários tipos de tratamento e as pessoas procuram os centros que oferecem esse tipo de procedimento, desde “passes” para  tentar resolver problemas na saúde até tratamentos de quimioterapia. A recomendação é de que não se abandone o tratamento convencional.

Conselho de Medicina faz restrições

Para o Conselho Regional de Medicina do RN, a prática da chamada cirurgia espiritual, caso seja invasiva, com incisão, retirada de tecido, etc, é crime. Caso o acusado seja médico, ele pode perder o registro, dentro da atuação do Conselho de Medicina. Já se for um profissional de outra área que exerça a chamada cura mediúnica as conseqüências podem ser mais graves.

“Nesses casos, o Conselho de Medicina aciona o Ministério Público. A pessoa que esteja realizando esse tipo de prática, ou seja cirurgia sem levar em conta a fundamentação científica, está realizando medicina de forma ilegal e será enquadrada no artigo do código penal”, explica o presidente do Cremern, Jeancarlo Cavalcanti. O tratamento espiritual que não seja invasivo não é contra a lei. “Se não há procedimento invasivo, passa a ser uma questão de fé. É uma terapia alternativa”, complementa.

Há cerca de três anos o Conselho de Medicina teve de lidar com situação semelhante em Natal. Um homem, vindo de Pernambuco, passou a “atender” na sede de um clube da cidade, com a realização de cirurgias espirituais que envolviam procedimentos invasivos. O Cremern fez a denúncia e o homem acabou fugindo. Informações dão conta de que há um mandado de prisão contra o curandeiro.

“Nessa época, eu atendi um paciente que havia realizada uma cirurgia dessas e ele tinha um quadro de infecção por ter sido utilizado instrumentos não esterilizados”, diz Jeancarlo, que desaconselha a procura por esse tipo de procedimento por parte dos pacientes.

Universidades de SP e MG  pesquisam o método

Apesar das críticas da maior parte da comunidade científica, e médica, há quem se aventure a pesquisar os caminhos e a efetividade das chamadas cirurgias espirituais – e dos tratamentos espirituais como um todo. As principais pesquisas estão concentradas na Universidade de São Paulo e em Minas Gerais.

O estudo mais citado é da revista da Associação Médica Brasileira, realizado em 1995. À época, o Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, acompanhou o trabalho de João Teixeira de Farias, popularmente conhecido como João de Deus. O trabalho de João de Deus de realização de cirurgias espirituais com incisão é bastante conhecido.  

O Departamento de Patologia verificou se os cortes nos pacientes eram reais ou fruto de “charlatanismo”.

Os pacientes que se submeteram às cirurgias foram acompanhados pela equipe médica. Não houve indícios de fraude. Os cortes eram reais, com instrumentos sem esterilização e ao mesmo tempo sem a ocorrência de infecções. O estudo conclui: “o fenômeno necessita de posteriores estudos para a explicação adequada da analgesia, da não-infecção, avaliação da eficácia e por quais mecanismos a suposta cura poderia ocorrer, pois as cirurgias em si aparentemente não conduziriam a esse resultado, já que usualmente não extraem tecidos patológicos”.


Autor: Isaac Lira (Repórter)

Fonte:http://tribunadonorte.com.br/noticia/cura-e-baseada-no-merecimento/201040

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